Tal princípio é um dos aspectos frequentemente levantados quando se advoga pela tese de que a homeopatia não passa de “pseudociência” ou mesmo charlatanismo. Argumenta-se que a terapia holística nada mais é que um arcabouço ideológico utilizado para se construir a falácia de que a prática homeopática seria preferível à medicina convencional, marcada pela saturação medicamentosa e artificialidade dos métodos, em comparação à “naturalidade” da homeopatia e sua propriedade de incentivar o corpo, e não sobrecarregá-lo.
A argumentação contra a homeopatia se torna mais forte e razoável à medida que surgem experimentos que comprovam a ineficiência fisiológica dos remédios homeopáticos, como aquele narrado no vídeo postado neste blog. No entanto, seria também uma falácia relegar todos os princípios homeopáticos para a periferia do conhecimento ilustrado e científico. Como enfatizado desde a primeira postagem, é necessário que se compreenda que o próprio método científico segue a trajetória de concatenações racionais e filosóficas ao longo do tempo. Basta se lembrar da alquimia, prática difundida na idade média que, embora irreal em suas pretensões de extrapolar teses filosóficas em manifestações físicas, auxiliou a formação da base laboratorial e metodológica da química moderna. Logo, o que se percebe é que suposições de ordem ideológica podem proporcionar diretrizes de pesquisa científica e por vezes acabam se revelando reais e aplicáveis a diversos contextos. É isso que se observa quanto ao Princípio da Terapia Holística.
Tratar o paciente em sua totalidade, compreender o contexto completo da gênese patológica e as maneiras pelas quais a mesma afeta a integridade física e psíquica do ser é algo cada vez mais considerado nas linhas de pesquisa em medicina atual, principalmente naquelas relacionadas aos ditos “males da modernidade’’ (estresse, colesterol alto, diabetes, depressão ou síndrome do pânico, por exemplo). A bioquímica de tais doenças corrobora com a tese da compreensão íntegra, tão propagada pelos homeopatas. Tomemos como exemplo o estresse.
O estresse é, sobretudo, um fenômeno de ordem psicológica e fisiológica. Os sistemas nervoso, endócrino e imunológico estão diretamente ligados a sua ocorrência e sofrem efeitos diretos. A cadeia bioquímica do estresse começa no sistema nervoso central, onde o hipotálamo (glândula responsável por boa parte do controle homeostático do corpo) responde a situações de perigo ou que demandem alerta e potencial de ação imediatos. Há uma conseqüente estimulação da divisão autônoma do sistema nervoso periférico por meio da adrenalina, neurotransmissor que prepara a as estruturas inervadas para uma rápida resposta catabólica que mobilize energia para o ato iminente, que inclui aceleração e intensificação das contrações miocárdicas, alteração de dinâmica vascular, dilatação de pupilas e brônquios e inibição de atividade digestiva. Há também importantes efeitos na regulação da glicólise e gliconeogênese, assegurando um suprimento glicosídico sanguíneo e muscular que supra as demandas da elevação imediata de consumo energético.
O sistema endócrino relaciona-se ao estresse sobretudo por meio das glândulas adrenais (situadas superiormente aos rins), cujo córtex produz hormônios esteróides como o cortisol e aldosterona. O cortisol, conhecido como o “hormônio do estresse”, é primariamente um agente regulador da gliconeogênese e lipólise, estimulando a produção de glicose por meio da degradação protéica e a quebra de moléculas de gordura com o mesmo intuito de mobilização de energia. Estudos recentes demonstram que a elevação crônica dos níveis de cortisol no sangue está associada a uma deficiência do sistema imune, tendo em vista a degradação acentuada de células brancas alavancada pelo hormônio. Pessoas estressadas, com cortisol em excesso também são mais suscetíveis a desenvolver doenças coronárias e acúmulo de gordura na rede vascular, dado que o esteróide aumenta a concentração de colesterol no sangue.
Especula-se também que o estresse cause uma menor secreção de serotonina, hormônio responsável por sensações de prazer, felicidade e saciedade. O estresse crônico pode também levar a condições de sobrecarga das glândulas adrenais, dificultando sua resposta eficiente no controle hormonal.
Como se percebe, o estresse crônico é um desequilíbrio patológico da complexa e delicada cadeia de homeostase nervo-endócrina, repercutindo nas mais diversas partes do corpo, sendo que sua raiz primeira é, na verdade, um fenômeno psicológico, vale dizer, a ansiedade ou o nervosismo do cotidiano atual. Tem-se aí um perfeito exemplo da interpretação holística da patologia, que enxerga suas manifestações em toda a cadeia fisiológica do corpo, incluindo também aspectos psicológicos e sociais. A abordagem mais adequada para se tratar uma doença vascular ou depressão causadas por estresse seria, portanto, não apenas um tratamento tópico e pontual com eficiência observável, mas também uma força conjunta que neutralize as causas primárias da doença, passando por aspectos comportamentais e psíquicos.
Tal abordagem é preconizada pela homeopatia desde a época de sua fundamentação teórica, sendo também adotada por muitos sistemas de medicina alternativa, sobretudo a oriental. Embora os métodos científicos de abordagem da interface saúde-doença tenham proporcionado o grande avanço medicinal e sanitário desde a época do Iluminismo (intensificada com a Revolução Industrial e as grandes descobertas do século XX), é crucial levar em consideração a medicina alternativa, sobretudo quando se considera a crescente aceitação de seus métodos. Estima-se que até 10% da população de países desenvolvidos como a Grã-Bretanha ou o Canadá acreditam ou já utilizaram algum método de medicina alternativa, sendo a homeopatia um dos mais adotados. Isso reforça a tese a de que a medicina possui um componente cultural ainda muito forte, não podendo ser interpretada em aspectos puramente científicos.
A abordagem holística da homeopatia pode ser, portanto, uma das causas fundamentais de sua crescente aceitação. No contexto brasileiro, por exemplo, marcado pela deficiência crônica e mau atendimento nos sistemas de saúde pública, a visão humanística essencial da homeopatia pode parecer uma melhor alternativa para muitos pacientes. Logo, o importante é que os sistemas de tratamento baseados em evidências comprováveis aprendam com a faceta holística e humana da homeopatia, o que certamente agregaria um valor imensurável a sua eficácia e aceitação.
Posted by Vitor Paiva
Nenhum comentário:
Postar um comentário